“Trump enfrentará 1459 dias de resistência”
Angela Davis, em seu discurso na ‘Marcha das Mulheres’ contra Trump, em 21 de janeiro de 2017.
“Revolução é coisa séria. A coisa mais séria da vida de um revolucionário.
Quando alguém se compromete a lutar, tem que ser pra vida inteira.”
Angela Davis
Vídeo: Palestra de abertura do Fórum Internacional 20 de novembro de 2012 – Raça, gênero, classe: uma tríade inseparável nas políticas de empoderamento das populações negras. Angela Davis palestrou como professora do Departamento de História da Universidade da Califórnia, em 2012.
4 reflexões para conhecer o pensamento de Angela Davis
Saiba quais são alguns dos argumentos da filósofa que é uma das principais vozes do feminismo negro
Fonte: Revista Galileu
Angela Davis nasceu em janeiro de 1944 em Birmingham, cidade do estado americano Alabama e um dos principais centros de conflitos raciais durante os anos 1960. Durante a mesma década, deu início a seu envolvimento com as principais lutas políticas do movimento negro e feminista da época.
Ela estudou e se especializou em filosofia nas universidades Brandeis, nos Estados Unidos, Sorbonne, na França, e de Frankfurt, na Alemanha, período no qual foi aluna de Jean-Paul Sartre e Herbert Marcuse.
De volta ao seu país se origem, ela foi acusada de ter comprado a arma utilizada em um sequestro de um juiz, o que a tornou uma das dez fugitivas mais procuradas pelo FBI.
Davis, que afirma que a arma foi utilizada sem seu conhecimento, foi presa, despertando a campanha “Libertem Angela Davis”, que mobilizou ativistas e intelectuais do mundo inteiro.
Dezoito meses depois, ela foi inocentada das acusações e, desde então, se tornou uma das principais vozes do feminismo negro.
Um de seus principais livros, Mulheres, Raça e Classe, publicado nos Estados Unidos na década de 1980, acaba de ganhar uma edição brasileira pela editora Boitempo. Conheça algumas das principais reflexões da filósofa:
1 – RAÇA, CLASSE E GÊNERO ESTÃO ENTRELAÇADOS
Davis acredita que raça, classe e gênero são categorias que devem ser consideradas em conjunto. Durante conferência realizada em São Luís, no Maranhão, durante a 1ª Jornada Cultural Lélia Gonzales, ela explicou que apesar de vários argumentos defenderem a classe como o fator mais importante, é necessário considerar os outros aspectos para entender como, juntos, podem criar diferentes tipos de opressão.
“É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe”, diz. “Raça é a maneira como a classe é vivida. Precisamos refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.”
Como aponta Djamila Ribeiro, secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e autora do prefácio do livro de Davis publicado recentemente no Brasil, a filósofa não pensa as categorias de forma isoladas porque elas estão subordinadas à mesma estrutura.
“Precisamos pensar o quanto o racismo impede a mobilidade social da população negra”, diz. “Temos um problema de classe. E o racismo também cria uma hierarquia de gênero, deixando a mulher negra em uma situação muito maior de vulnerabilidade social.”
Vídeo: A filósofa, ativista e professora Angela Davis foi caçada pelo FBI por um crime que não cometeu, presa em 1970 e libertada em 1972. Enquanto cumpria sua sentença em uma prisão da Califórnia, ela deu uma entrevista reflexiva (mais tarde incluída no documentário ‘The Black Power Mixtape’) sobre o momento dos Panteras Negras, naquela época, e porque a violência é parte do protesto, porque é um elemento inerente à vida diária de pessoas negras e pardas.
2 – O RACISMO ENCORAJA A VIOLÊNCIA SEXUAL
Em Mulheres, Raça e Classe, Davis explica que no período da escravidão, os patrões viam os corpos das mulheres negras como propriedade e se achavam no direito de fazer o que quisessem com elas.
“A escravidão se sustentava tanto na rotina do abuso sexual quanto no tronco e no açoite”, escreve. “O direito alegado pelos proprietários e seus agentes sobre os corpos das escravas era uma expressão direta de seu suposto direito de propriedade sobre pessoas negras como um todo.”
Segundo a filósofa, a ideia do abuso sexual de mulheres negras como algo institucionalizado se tornou tão forte que persistiu mesmo após de a escravidão ter sido abolida. Estereótipos que retratam a mulher negra como promíscua e imoral, frequentemente utilizados na mídia, ajudaram a reforçar essa ideologia.
Davis aponta que o racismo têm ainda outras formas de incitar o machismo.
“Embora as mulheres negras e suas irmãs de minorias étnicas tenham sido os alvos principais desses ataques de inspiração racista, as mulheres brancas também sofreram. Uma vez que os homens brancos estavam convencidos de que podiam cometer ataques sexuais contra as mulheres negras impunemente, sua conduta em relação às mulheres de sua própria raça não podia permanecer ilesa”, explica. “Esta é uma das muitas maneiras pelas quais o racismo alimenta o sexismo, tornando as mulheres brancas vítimas indiretas da opressão dirigida em especial às suas irmãs de outras etnias.”
3 – OS PRESÍDIOS DEVERIAM SER ABOLIDOS
Em 2003, Davis lançou Are Prisons Obsolete? (Os presídios são obsoletos?, em tradução livre), no qual questiona a eficácia do sistema carcerário americano. A filósofa argumenta que os presídios foram desenvolvidos como uma alternativa “menos pior” de tortura e que o aumento de prisões não diminui o número de crimes.
“Durante minha carreira como ativista vi o número de presídios crescer com tanta rapidez que muitas pessoas de comunidades negras, latinas e nativo-americanas agora têm mais chances de ir para prisão do que conseguir uma educação decente”, escreve. “Estamos dispostos a rebaixar números ainda maiores de pessoas de comunidades oprimidas à uma existência isolada marcada por regimes autoritários, violência, doenças e tecnologias de seclusão que podem produzir instabilidade mental?”
Em entrevista ao Democracy Now em 2014, Davis afirmou que algum progresso em torno dessa questão tem ocorrido desde a publicação do livro.
“Em vez de pensar em formas de reformar o sistema penitenciário, precisamos pensar em formas de, a longo prazo, ter menos pessoas atrás das grades para, no futuro, termos um ambiente sem prisões, no qual problemas sociais como analfabetismo e pobreza não signifiquem uma trajetória direta para a cadeia”, disse.
4 – O PAPEL DA RESISTÊNCIA
“Se todas as vidas importassem, nós não precisaríamos proclamar enfaticamente que a vida dos negros importa.” Essa foi uma das frases ditas por Davis durante um discurso sobre direitos humanos na Universidade Estadual San José, nos Estados Unidos, em 2015. Para a filósofa, o movimento Black Lives Matter, que teve início com protestos sobre a morte do adolescente negro Trayvon Martin, ajudou as minorias a retomarem seus devidos protagonismos na resistência contra a desigualdade.
“Todos nós temos que participar para garantir que algo seja feito para frear os danos racistas que estão acontecendo com nossas comunidades em todo país”, afirmou ela. “Este é um momento histórico. Quando vocês tiverem minha idade, as pessoas vão perguntar: como foi ver o movimento revolucionário reascender?”.
‘Marcha das Mulheres’
A maior manifestação de protesto nos EUA em todos os tempos.
21 de janeiro de 2017
Fonte do Vídeo: Independent – UK
O discurso de Angela Davis na ‘Marcha das Mulheres’ e a resistência contra Donald Trump
Fonte: Brasil Post
por Andréa Martinelli – andrea.martinelli@brasilpost.com.br
Um dia após a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, milhares de mulheres de mais de 30 países foram às ruas neste sábado (21), contra ele e a favor de seus direitos.

Na capital americana, Washington, milhares foram às ruas. Do lado de fora das estações de metrô era possível ver longas filas para participar da Women’s March on Washington (Marcha das Mulheres em Washington). O ponto central do movimento é que os direitos das mulheres são direitos humanos.

Ativista feminista e defensora dos direitos civis da população negra nos Estados Unidos, Angela Davis, de 72 anos, fez um apelo apaixonado pela resistência e pediu ao público para se tornar mais militante em suas demandas de justiça social especialmente nos próximos quatro anos.
“Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista”, disse Angela durante o discurso.
Davis – autora do livro Mulheres, Raça e Classe, editado no Brasil pela editora Boitempo, é uma das principais vozes que analisam as condições da população negra por um viés interseccional, isto é, que se debruça sobre como o racismo, o capitalismo e o sexismo são condições estruturantes nas relações humanas, responsáveis por gerar formas combinadas de opressão em toda a sociedade.
No passado, a ativista fez parte do grupo Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos. Foi perseguida e presa em 1970, tornando-se mundialmente conhecida por meio da campanha “Libertem Angela Davis”. Esta história é contada em detalhes no documentário de mesmo nome, completo, disponível aqui.
Trecho do documentário “Libertem Angela Davis”.
Ainda em seu discurso, Angela Davis lembrou que a história dos Estados Unidos foi marcada pela luta em busca da liberdade da população negra e que medidas anunciadas por Donald Trump não poderão apagar a história:
“Este é um país ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para o bem ou para o mal, a real história de imigração e escravização. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir um muro não apagarão a história”.
Leia o discurso completo de Angela Davis, em tradução livre:
Em um momento desafiador de nossa história, vamos nos lembrar que somos centenas de milhares, milhares de mulheres, pessoas transgênero, homens e jovens que estamos aqui na Marcha das Mulheres. Nós representamos a poderosa força de mudança que está destinada a impedir que a cultura racista e patriarcal floresça novamente.
Nós reconhecemos que somos coletivos de agentes históricos e que a história, em si, não pode ser deletada como páginas da internet. Sabemos que esta tarde estamos reunidos em terras indígenas e seguimos a liderança dos primeiros povos que viveram aqui e que, apesar da massiva violência genocida, nunca renunciaram a luta pela terra, pela água, pela cultura e pelo seu povo. Hoje saudamos especialmente o Standing Rock Sioux [reserva indígena localizada na Dakota do Sul e na Dakota do Norte, nos Estados Unidos].
A liberdade e a garra da população, que moldaram este país, não pode ser deletada como o virar de uma mão. Não podemos esquecer que vidas negras realmente importam. Este é um país que foi ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para melhor ou pior, que a própria história dos Estados Unidos é uma história de imigração e escravização. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir muros não apaga a história. Nenhum ser humano é ilegal.
A luta para salvar o planeta, para parar as mudanças climáticas, para garantir a acessibilidade da água das terras do Standing Rock Sioux, Flint, Michigan, para a Cisjordânia e Gaza. A luta para salvar a nossa flora e fauna, para salvar o ar – este é o ponto zero da luta pela justiça social.
Esta é uma Marcha das Mullheres e esta Marcha representa a promessa do feminismo contra os poderes perniciosos da violência do Estado. E o feminismo inclusivo e intersetorial que convoca todos nós a juntar-se à resistência ao racismo, à islamofobia, ao anti-semitismo, à misoginia, à exploração capitalista.
Sim, saudamos a “Fight for $15” [a primeira de muitas greves e atos de rua realizados em especial por trabalhadores de fast food que exigiam um salário mínimo de US$15 por hora e um Sindicato]. Nós nos dedicamos à resistência coletiva. Resistência aos bilionários aproveitadores de hipotecas e gentrificadores. Resistência aos corsários de saúde. Resistência aos ataques aos muçulmanos e aos imigrantes. Resistência aos ataques a pessoas com deficiência. Resistência à violência estatal perpetrada pela polícia e pelo complexo industrial prisional. Resistência à violência institucional e de gênero especialmente contra mulheres trans negras.
Os direitos das mulheres são direitos humanos em todo o planeta e é por isso que dizemos liberdade e justiça para a Palestina. Celebramos a iminente libertação do Chelsea Manning. E Oscar López Rivera. Mas também dizemos liberte Leonard Peltier. Liberte Mumia Abu-Jamal. Liberte Assata Shakur.
Ao longo dos próximos meses e anos, seremos chamados para intensificar as nossas exigências de justiça social e para nos tornarmos mais militantes em defesa das populações vulneráveis. Aqueles que ainda defendem a supremacia do patriarcado hetero-patriarcado masculino branco devem ter cuidado.
Os próximos 1.459 dias do governo Trump serão 1.459 dias de resistência: resistência no chão, resistência nas salas de aula, resistência no trabalho, resistência em nossa arte e em nossa música.
Este é apenas o começo e nas palavras da inimitável Ella Baker, “Nós que acreditamos na liberdade não podemos descansar até que ela venha”.
Obrigada.
Assista ao vídeo: em inglês apenas.