Milton Santos – Roda Viva de 31/03/1997

Um dos maiores geógrafos brasileiros, disserta sobre globalização e o papel do intelectual na política nacional.

Milton Almeida dos Santos (Brotas de Macaúbas, 3 de maio de 1926São Paulo, 24 de junho de 2001) foi um geógrafo brasileiro.

Graduado em Direito, Milton destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo.

Foi um dos grandes nomes da renovação da geografia no Brasil ocorrida na década de 1970.

Também se destacou por seus trabalhos sobre a globalização nos anos 1990.

A obra de Milton Santos caracterizou-se por apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista, e seus pressupostos teóricos dominantes na geografia de seu tempo.

Milton Santos ganhou o prêmio Vautrin Lud, em 1994, o de maior prestígio na área da geografiaO prêmio é considerado o Nobel da geografia.[1][2]

Milton Santos foi o primeiro e é o único geógrafo da América Latina a ter ganhado o prêmio em questão. Agraciado postumamente em 2006 com o Prêmio Anísio Teixeira.[3]

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Biografia

Milton Santos nasceu no município baiano de Brotas de Macaúbas em 3 de maio de 1926.

Ainda criança, migrou com sua família para outras cidades baianas, como Ubaitaba, Alcobaça e, posteriormente, Salvador.

Em Alcobaça, com os pais e os avós maternos (todos professores primários), foi alfabetizado e aprendeu álgebra e a falar francês.

Aos 13 anos, Milton dava aulas de matemática no ginásio em que estudava, o Instituto Baiano de Ensino. Aos 15, passou a lecionar Geografia e, aos 18, prestou vestibular para Direito na Universidade Federal da Bahia, em Salvador.

Enquanto estudante secundário e universitário marcou presença na militância política de esquerda. Formado em Direito, não deixou de se interessar pela Geografia, tanto que fez concurso para professor catedrático no Colégio Municipal de Ilhéus. Além do magistério desenvolveu uma atividades jornalísticas em Ilhéus, estreitando sua amizade com políticos de esquerda.

Nesta época, escreveu o livro Zona do Cacau, posteriormente incluído na Coleção Brasiliana, já com influência da escola francesa do pós-guerra, a qual, inicialmente, era voltada para a geomorfologia e os aspectos climáticos (Pierre Birot, Jean Dresch, Jean Tricart), passando depois a buscar, gradualmente, uma apreensão global do meio físico-natural, incorporando também aspectos demográficos e a dimensão econômica, nas relações cidade-campo (Pierre George).[4]

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Entre 1956 e 1958, Milton conclui seu doutorado na Universidade de Estrasburgo.

Ao regressar ao Brasil, criou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais, mantendo intercâmbio com os mestres franceses.

Após seu doutorado, teve presença marcante na vida acadêmica, em atividades jornalísticas e políticas de Salvador.

Em 1961, viaja a Cuba, na qualidade de editor do jornal A TARDE, com a comitiva de Jânio Quadros, então eleito Presidente da República. Logo após ser empossado, Jânio o convida para ser subchefe da casa civil na Bahia, cargo que exerceu durante o curto mandato do presidente.[5]

Em 1963, o governador da Bahia, Lomanto Júnior, nomeou-o presidente da Comissão de Planejamento Econômico (CPE), cargo que ele deixou em 1964. Enquanto exerceu esse cargo, Milton Santos tratou de temas de política econômica e planejamento regional, a partir de uma perspectiva científica, sem, no entanto, negligenciar seu trabalho no Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais.[5]

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Exílio

Em 1964, logo após o golpe militar, Milton foi preso e enviado para o 19º BC, no Cabula, onde parte de sua equipe do laboratório e seus amigos iam diariamente visitá-lo.

Em junho, na véspera de São João, devido a um inicio de derrame, foi levado ao hospital e depois solto.

Nessa época, já recebera convites para trabalhar em universidades francesas mas estava impedido de deixar o país.

Importantes personalidades locais, sobretudo o cônsul da França na Bahia, Raymond Van der Haegen, intervieram junto às autoridades militares locais para negociar sua saída do país, após ter cumprido meio ano de prisão domiciliar.

Assim, em dezembro, deixou o Brasil, partindo para a França, a convite da Universidade de Toulouse-Le Mirail (atual Universidade Toulouse – Jean Jaurès).

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Mais tarde, pela mesma universidade, receberia o título de Doutor Honoris Causa, o primeiro dos 20 que recebeu ao longo de sua vida. Milton achou que ficaria fora do país por seis meses, mas acabou ficando 13 anos. [5]

De Toulouse, onde ficou por três anos, Milton Santos fixa-se em Bordeaux. Lá, entre os seus alunos, encontra Marie Hélène Tiercelin, que mais tarde viria a ser sua mulher, nos últimos quase trinta anos de sua vida e mãe de seu segundo filho, Rafael, nascido em 1977.

De Bordeaux, onde fica durante um ano, segue para Paris, em 1968.

Na capital francesa, leciona na Sorbonne e trabalha como diretor de pesquisas em planejamento urbano no Institut d’Étude du Développement Économique et Social (IEDES).

Permanece em Paris até 1971, quando se transfere para o Canadá, para trabalhar na Universidade de Toronto.

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Foi para os Estados Unidos, com um convite para ser pesquisador no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde trabalha com Noam Chomsky.

No MIT prepara sua grande obra, O Espaço Dividido.

Dos EUA viaja para a Venezuela, onde atua como diretor de pesquisa sobre planejamento da urbanização do país para um programa da ONU.

Neste país manteve contato com técnicos da Organização dos Estados Americanos, o que facilitou sua contratação pela Faculdade de Engenharia de Lima, onde foi contratado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para elaborar um trabalho sobre pobreza urbana na América Latina.

Posteriormente, foi convidado para lecionar no University College London , mas o convite ficou apenas na tentativa, já que lhe impuseram dificuldades raciais.

Regressa a Paris, mas é chamado de volta à Venezuela, onde leciona na Faculdade de Economia da Universidade Central. Segue, posteriormente para Tanzânia, onde organiza a pós-graduação em Geografia da Universidade de Dar es Salaam.

Permanece por dois anos no país, quando recebe o primeiro convite de uma universidade brasileira – a Universidade de Campinas. Antes disso, regressa à Venezuela, passando antes pela Universidade de Colúmbia de Nova York.

Retorno ao Brasil

No final de 1976, houve contatos para a contratação de Milton pela universidade brasileira, mas não havia segurança na área política, e o contato fracassou.

Em 1977, Milton tenta inscrever-se na Universidade da Bahia, mas, por artimanhas político-administrativas, sua inscrição foi cancelada. Ao regressar da Universidade de Colúmbia iria para a Nigéria, mas recusou o convite para aceitar um posto como consultor de planejamento do estado de São Paulo e na Emplasa.

Esse peregrinar custou-lhe muito, mas sua volta representou um enorme esforço de muitos geógrafos, destacando-se Armen Mamigonian, Maria do Carmo Galvão, Bertha Becker e Maria Adélia de Souza. Quanto ao seu regresso, Milton tinha um grande papel nas mudanças estruturais do ensino e da pesquisa em Geografia no Brasil.

Após seu regresso ao Brasil, lecionou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) até 1983.

Em 1984 foi contratado como professor titular pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), onde permaneceu mesmo após sua aposentadoria.[6].

Também lecionou geografia na Universidade Católica de Salvador.

Milton Santos morreu em São Paulo, no dia 24 de junho de 2001, aos 75 anos,[7] em consequência de um câncer de próstata, diagnosticado cerca de sete anos antes.[8]

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A trajetória e o reconhecimento

Embora pouco conhecido fora do meio acadêmico, Santos alcançou reconhecimento fora do país, tendo recebido, em 1994, o Prêmio Vautrin Lud (conferido por universidades de 50 países).

Em sua obra O Espaço dividido (1979), hoje considerada um clássico mundial, ele desenvolve uma teoria sobre os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos: um circuito superior ou moderno, capital-intensivo e de alta tecnologia e constituído por atividades ligadas ao setor terciário superior; e um circuito inferior, não moderno, constituído por serviços tradicionais, trabalho-intensivo e de baixa tecnologia.

Embora sejam interligados, o circuito inferior é dependente do circuito superior.

A cidade é um sistema que inclui tanto uma economia globalizada (seu circuito superior), quanto uma economia produzida a partir das necessidades do lugar (seu circuito inferior). Santos se refere a circuitos produtivos globalizados (constituídos por empresas nacionais e multinacionais hegemônicas de cada setor) subordinados a forças políticas e econômicas exógenas.

Milton Santos já reconhecera, em trabalho anterior, a existência de verdadeiros espaços derivados nos países do Terceiro Mundo. [9]

Esses espaços seriam aqueles onde os processos de modernização e transformação regionais estão diretamente relacionados a determinações externas, a “uma vontade longínqua”. Segue-se que tanto a formação quanto as transformações das estruturas territoriais para o trabalho, sobretudo aquelas que aparecem como as mais dinâmicas no interior do território nacional de países pobres, são, geralmente, portadoras de razões externas e não se orientam, portanto, para o atendimento das necessidades internas ou para a solução dos problemas internos.[10]

“A cada necessidade imposta pelo sistema em vigor, a resposta foi encontrada, nos países subdesenvolvidos, pela criação de uma nova região ou a transformação das regiões preexistentes. É o que estamos chamando ‘espaço derivado’, cujos princípios de organização devem muito mais a uma vontade longínqua do que aos impulsos ou organizações simplesmente locais” (SANTOS, 1978, p.104-105).[11]

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Suas ideias de globalização foram esboçadas antes que este conceito se generalizasse, e ele advertia para a possibilidade do fim da cultura como produção original do conhecimento.

Por uma Outra Globalização (do pensamento único à consciência universal), livro escrito dois anos antes de sua morte, é referência hoje em cursos de graduação e pós- graduação em universidades brasileiras e traz uma abordagem crítica sobre o processo de globalização capitalista, ao qual corresponde, segundo o geógrafo, a produção de novos totalitarismos e o pensamento único, que transforma o consumo em ideologia e os cidadãos em meros consumidores, massificando e padronizando a cultura e concentrando a riqueza nas mãos de poucos.

Porém, segundo Maria da Conceição Tavares, o otimismo do grande geógrafo reaparece, quando ele se refere às cidades como espaço de liberdade para a cultura popular, em oposição à cultura midiática de massas, e como espaço de solidariedade na luta dos “de baixo” contra a escassez produzida pelos “de cima”. [12]

Espaço: abordagem inovadora

A obra de Milton Santos é inovadora e grandiosa ao abordar o conceito de espaço. De território onde todos se encontram, o espaço, com as novas tecnologias, adquiriu novas características para se tornar um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações”[13].

As velhas noções de centro e periferia já não se aplicam, pois o centro poderá estar situado a milhares de quilômetros de distância e a periferia poderá abranger o planeta inteiro.

Daí a correlação entre espaço e globalização, que sempre foi perseguida pelos detentores do poder político e econômico, mas só se tornou possível com o progresso tecnológico.

Para contrapor-se à realidade de um mundo movido por forças poderosas e cegas, impõe-se, para Santos, a força do lugar, que, por sua dimensão humana, anularia os efeitos perversos da globalização[14].

Estas ideias são expostas principalmente em sua obra A Natureza do espaço (Edusp, 2002).

No conceito de espaço, Milton Santos revela a noção de paisagem, onde sua forma está em objetos naturais correlacionados com objetos fabricados pelo homem.

Santos aponta que espaço e paisagem não são conceitos dicotômicos, onde os processos de mudança social, econômico e político da sociedade resultam na transformação do espaço, que concatenado a paisagem se adaptam para as novas necessidades do homem naquele dado período.

Milton Santos revela o conceito de paisagem como algo não estanque no espaço, e sim que a cada período histórico altera, renova e adapta para atender os novos paradigmas do modo de produção social.

São ideias apontadas na obra “Pensando o espaço do homem” (São Paulo: Hucitec, 1982).

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Atividades, prêmios e distinções

Por seus méritos, universidades e instituições ligadas à Geografia passam a outorgar-lhe títulos acadêmicos e honrarias. Os mais importantes são:

Milton Santos recebeu o título de Doutor Honoris Causa das seguintes instituições:

Além da vida acadêmica, Milton Santos desempenhou outras atividades, entre as quais:

  • Presidente ou membro de distinguidas entidades profissionais, como:Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur)Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege)

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Obras de Milton Santos

  • A cidade nos países subdesenvolvidos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
  • (em espanhol) Geografía y economía urbanas en los países subdesarrollados, Barcelona: Oikos-Tau, 1973.
  • Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo: AGB, 1977, p. 81- 99.
  • Por uma Geografia nova. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1978.
  • O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo. SP: Hucitec, 1978.
  • Pobreza urbana. São Paulo/Recife: Hucitec/UFPE/CNPV, 1978.
  • Economia espacial: críticas e alternativas. SP: Hucitec, 1979.
  • Espaço e sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.
  • O espaço dividido – Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979 (Coleção Ciências Sociais).
  • A urbanização desigual. Petrópolis: Vozes, 1980.
  • Manual de Geografia urbana. São Paulo: Hucitec, 1981.
  • Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982.
  • Ensaios sobre a urbanização latino-americana. SP: Hucitec, 1982.
  • Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985.
  • O meio técnico-científico e a redefinição da urbanização brasileira. Projeto de pesquisa apresentado ao CNPq, 1986 (datilografado).
  • Aspectos geográficos do período técnico-científico no estado de São Paulo. Projeto de pesquisa apresentado à Fapesp, maio 1986 (datilografado).
  • A região concentrada e os circuitos produtivos. Texto apresentado como parte do relatório de pesquisa do projeto O Centro Nacional: Crise Mundial e Redefinição da Região Polarizada, 1986 (datilografado).
  • O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987.
  • Metamorfoses do espaço habitado. Paulo: Hucitec, 1988.
  • O Período Técnico-Científico e os estudos geográficos: problemas da urbanização brasileira. Projeto de pesquisa apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mar. 1989 (datilografado).
  • Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo. São Paulo: Nobel/Secretaria de Estado da Cultura, 1990.
  • A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993.
  • Por uma economia política da cidade. SP: Hucitec /Educ, 1994.
  • Técnica, espaço, tempo. São Paulo: Editora Hucitec, 1994.
  • (com SOUZA, Maria Adélia A, org.). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, 1986.
  • Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000.

Obras sobre Milton Santos

Milton Santos
Geografia
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Fontes Biográficas: Wikiwand

Dados gerais
Nome de nascimento Milton Almeida dos Santos
Nacionalidade  Brasileiro
Residência Brasil
Nascimento 3 de maio de 1926
Local Brotas de Macaúbas
Morte 24 de junho de 2001 (75 anos)
Local São Paulo
Atividade
Campo(s) Geografia
Instituições Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade de São Paulo, Universidade Católica do Salvador
Alma mater Universidade Federal da Bahia, Universidade de Estrasburgo
Tese 1958: “O Centro da Cidade de Salvador”
Prêmio(s) Prêmio Vautrin Lud (1994)

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