Livro com introdução de Moro trata da corrupção na Itália

O relato completo e preciso de uma das maiores operações contra a corrupção da história europeia que serviu de inspiração para Sérgio Moro na Operação Lava Jato.

A operação Mãos Limpas foi a maior investigação sobre corrupção sistêmica já realizada em um país.

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Fonte: Livraria da Folha

Conduzidas na Procuradoria de Milão as investigações desvendaram uma enorme rede de corrupção entre governo e empresas vendedoras de bens ou serviços ao setor público.

A propina arrecadada financiava partidos e enriquecia políticos e amigos do poder.

Durante a campanha da operação, 2.993 mandados de prisão foram expedidos, 6.059 pessoas foram investigadas, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

Além disso, 13 envolvidos cometeram suicídio e grandes partidos foram extintos. A versão em português conta com introdução e artigo completo escritos pelo juiz federal Sérgio Moro.

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 HELIO GUROVITZ para a Revista Época

O que a Mãos Limpas ensina à Lava Jato

As duas têm inúmeras semelhanças, mas também diferenças importantes. Os jornalistas Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio oferecem um relato detalhado dos fatos

Renan Calheiros ou Berlusconi? Eduardo Cunha ou Berlusconi? Lula da Silva ou Berlusconi? Paulo Maluf ou Berlusconi? Não tem para ninguém. Silvio Berlusconi ganha de todos. É o mais ardiloso, endiabrado e corrupto político na história recente em todo o mundo – ou, pelo menos, em países democráticos. O mais paradoxal é que sua ascensão na Itália, onde foi eleito três vezes primeiro-ministro, só se tornou possível graças à maior devassa anticorrupção no país: a Operação Mãos Limpas, nos anos 1990. Estudioso da Mãos Limpas, o juiz Sergio Moro se inspirou no exemplo italiano para levar adiante a Operação Lava Jato. A dúvida óbvia diante do brasileiro hoje é: terá a Lava Jato o mesmo destino da Mãos Limpas? Que fazer para evitar fracasso semelhante? Como impedir que a reação da classe política enfraqueça nossas instituições e, como na Itália, torne o Estado uma presa ainda mais vulnerável?

A Mãos Limpas guarda inúmeras semelhanças com a Lava Jato, mas também há diferenças importantes. Os jornalistas Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio lançaram em 2002, quando a operação completou dez anos, um relato detalhado dos fatos. Atualizado em 2012, o livro foi traduzido neste ano para o português, sob o título Operação Mãos Limpas. É um volume de 896 páginas, 1.200 gramas e tipologia minúscula – na piscina ou na praia, despertará na memória dos passantes palavras como bíblia, calhamaço, cartapácio ou catatau… É uma leitura maçante, tamanha a quantidade de histórias escabrosas, nomes, siglas, locais, empresas, partidos e minúcias jurídicas. Os autores poderiam ter ordenado a narrativa pelos diferentes casos ou tê-la concentrado nos dois personagens principais: o herói trágico Antonio Di Pietro, procurador símbolo da Mãos Limpas (um Sergio Moro à italiana); e Silvio Berlusconi, seu antagonista (o anti-herói vitorioso). Em vez disso, preferiram construí-la em ordem cronológica. Tal opção resultou numa apresentação pouco didática, que ziguezagueia entre os vários escândalos. Não há quadros esquemáticos nem mesmo índice remissivo. O leitor se vê obrigado a ir e voltar para relembrar nomes e fatos. Não é um livro introdutório nem de fácil digestão. Apesar disso, tem uma qualidade rara: reportagem exaustiva, não deixa um mísero detalhe de fora. Isso o torna um documento essencial para qualquer interessado em entender o que deu errado na Mãos Limpas.Operação Mãos Limpas (Foto: divulgação)

Na essência, dois fatores contribuíram para o fracasso. O primeiro se chama Silvio Berlusconi. Até Di Pietro roçar nele, era conhecido como empresário de TV, comunicação e negócios diversos. O tempo deixará claro que Berlusconi se tornou político para fugir das investigações e tentar preservar sua fortuna. A investigação deslindará os milhares de fios da imensa teia de corrupção que une partidos, empresas e contratos do governo, conhecida como “Tangentopoli” (Propinópolis). Descobrirá que Berlusconi mantinha uma sociedade secreta com o então primeiro-ministro, o socialista Bettino Craxi, para desviar recursos do Estado, usados para pagar propinas a parlamentares, partidos, juízes ou para enriquecimento pessoal. Pouco antes de tais fatos virem à tona, enquanto apenas Craxi é alvo, Berlusconi se candidata e, com uma plataforma populista, seduz a população desencantada com os corruptos. Uma vez no poder, manobra nos bastidores para dar asas a denúncias sem fundamento contra Di Pietro. Aos poucos, vira a opinião pública contra os investigadores. Di Pietro renuncia, passa anos se defendendo nos tribunais e, apenas depois de inocentado, entra na política. Desse enredo rocambolesco, estamos aparentemente livres no Brasil.

É o segundo fator responsável pelo malogro da Mãos Limpas que deve nos preocupar. O mecanismo da investigação era similar ao da Lava Jato: delações premiadas, prisões preventivas e repercussão na imprensa para conquistar a opinião pública. Desde 1993, parlamentares italianos tentam ao menos quatro vezes amarrar as mãos de juízes e procuradores, sob o pretexto “garantista” de defender direitos dos investigados – à semelhança do que têm feito os brasileiros, ao minar as Dez Medidas contra a corrupção ou ao tentar aprovar a lei de abuso de autoridades. Há chiadeira e protestos. Até que, em 1997, aprovam uma nova lei sobre “abuso de poder”, manietando o Judiciário. Derrubada na Suprema Corte, ela volta como emenda à Constituição. Outras leis enfraquecem as delações, a divulgação de processos e escutas, reduzem prazos de prescrição e dificultam o trâmite judicial. Novas regras, feitas sob medida, evitam a condenação ou fazem prescrever ações contra Berlusconi e seus asseclas. É nas minúcias jurídicas, manobras marotas, votações na calada da noite que reside o risco para a Lava Jato. Renan não é nenhum Berlusconi, mas os congressistas daqui são tão matreiros quanto os de lá.

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